ARTIGO PUBLICADO NA REVISTA GESTÃO ACADÊMICA (PR)
EDUCAÇÃO, TRABALHO, SOCIEDADE
E AS NOVAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE
INCLUSÃO SOCIAL
Amir Limana
Doutor em Ciência Política
pela “La Sapienza” Universitá di Roma; Docente do Instituto Federal do Paraná, IFPR, Câmpus Londrina;
E-mail: amir.limana@ifpr.edu.br
Ricardo Luiz Töws
Doutorando do
Programa de Pós-Graduação em Geografia, PGE, da Universidade Estadual
de Maringá, UEM; Docente do Instituto Federal do Paraná, IFPR, Câmpus Londrina;
E-mail:
RESUMO
Sob forte influência dos setores dominantes acerca de o
modo de fazer e pensar a educação no Brasil,
focamos algumas políticas públicas que quebram o modelo liberal, no plano
ideológico e em termos de realização
da Educação em nosso país. Neste contexto, o objetivo da reflexão é
contextualizar a escola, o trabalho e a sociedade bem como seu desdobramento nas grandes políticas públicas, como, por
exemplo, o REUNI – Programa de Apoio
a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais, que busca ampliar
o acesso e a permanência na educação
superior; e a criação da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, que é, atualmente, a política de maior alcance em termos de
inovação e abrangência na educação
em todo o território nacional, abrigando, sobretudo, os Institutos Federais de
Educação, Ciência e Tecnologia como política
de inclusão e transformação, cujo maior compromisso é a intervenção em suas
respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções técnicas e
tecnologias para o desenvolvimento sustentável, com inclusão social.
Palavras-Chave: Políticas Públicas; Educação; Inclusão Social; Trabalho e Sociedade.
EDUCATION , WORK , SOCIETY AND THE NEW PUBLIC POLICIES OF SOCIAL INCLUSION
ABSTRACT
Under the strong influence of the dominant sectors on how to do and (how-opcional) to think
about education in Brazil, we focus
on some public policies that break the liberal model, ideologically and in terms of achievement of Education in our country. In this context, the objective of reflection is to contextualize school, work and society as well as its deployment in major public policies, such as, for
example, the REUNI - support program restructuring and expansion plans of
Federal Universities (in free translate), which aims to expand the access
and permanence in college education;
and the creation of the Federal
Network of Vocational Education, Science and Technology, which is currently the policy of greater scope for innovation and comprehensiveness in education
throughout the country, housing mainly the Federal Education, Science and
Technology Institute as inclusion and transformation policy, whose main
commitment is to interpose in their respective regions, identifying problems and creating
technical solutions and technologies
for sustainable development with social inclusion.
Key words: Public Policies; Education; Social Inclusion; Work and Society.
1 INTRODUÇÃO
Se observarmos as manifestações políticas e culturais
das elites nacionais em nosso país, referentes
à educação de todo o período do século vinte
até os nossos dias, dificilmente encontraremos alguém que não defenda a centralidade e a importância
da formação educacional para o conjunto da população. Apesar disto, até muito recentemente,
o entendimento da importância da educação para a vida nacional não passava de
um ideal frequentemente inserido nos discursos das elites políticas, mas que nunca
se concretizava de modo a levar
o conhecimento, a cultura, as
artes, a ciência e a técnica ao conjunto da população nacional. Assim já denunciava em 1947, por ocasião da
discussão do capítulo de Educação e
cultura da constituição do estado da Bahia: “sobre assunto algum se falou tanto
no Brasil, e em nenhum outro, tão
pouco se realizou. Não há, assim, como
fugir à impressão penosa de nos
estarmos a repetir” (SAVIANI, 2009, p. 23).
Tal realidade, senão vista sob a luz do entendimento da centralidade das relações de poder na vida humana e da evolução das
sociedades estratificadas em classes sociais, poderia nos parecer paradoxal, já que a população permaneceu ignara ao
tempo em que os definidores das políticas públicas manifestavam suas visões a
refletirem a centralidade do conhecimento, da cultura, da ciência, enfim, da educação.
Do mesmo modo,
a estranheza poderia alimentar discursos hipócritas sustentados em sofismas,
argumentando que independente disto o nosso
país está, atualmente, entre as dez principais economias no cenário mundial. E não é raro identificar nos discursos das elites
destinados às massas eleitoras a precedência da dimensão do homo
economicus ao homem que, para além de produzir e consumir, em sua essência,
possui uma dimensão moral, ética,
estética, cultural, política, religiosa, dentre outras que, dependendo dos seus
graus de desenvolvimento podem, ou não,
fazer da existência humana mais ou menos feliz.
É ainda muito recente a identificação dos ideais discursivos das nossas elites
políticas com ações e práticas no sentido
de dar centralidade ao tema educacional, de modo a não só levar a escola até
as comunidades, mas de levar as
comunidades até as escolas, materializando o ideal expresso na Constituição de 1988, na Lei de Diretrizes e Bases da Educação
de 1996, assim como nos últimos
Planos Nacionais de Educação.
É justamente neste contexto que nos últimos anos, com a
chegada ao governo central de lideranças oriundas dos extratos populares da
nação, as questões educacionais passam a ser prioridade, não apenas nos discursos, mas também nas ações governamentais com investimentos na ampliação e qualificação das suas estruturas físicas e de
pessoal, de modo a acolher um universo a cada dia maior de estudantes, em
melhores instalações e por tempo maior, nos
espaços escolares públicos gratuitos e de qualidade, além de incentivar a
inclusão e permanência das classes menos abastadas financeiramente da
população, com programas de financiamento
e bolsas de estudo. Também foram implementadas políticas públicas de
educação como o PROUNI
- Programa Universidade Para Todos e o FIES - Programa de
Financiamento Estudantil, entre outros.
Sem minimizar a importância de um conjunto de outras
políticas públicas educacionais colocadas em prática nos últimos anos pelo
governo central, duas delas merecem menção especial, dado o alcance para a
inclusão educacional da sociedade brasileira em estruturas republicanas, ou seja, escolas
laicas, públicas, gratuitas
e de excelência.
A primeira política pública de educação a que nos
referimos é o REUNI – Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão
das Universidades Federais, que busca ampliar o acesso e a permanência na educação superior, que tem por metas
dobrar o número de estudantes nos
cursos de graduação até 2018; ampliar a oferta de cursos noturnos; o aumento de
estudantes por professor com a redução do custo por estudante; a flexibilização
dos currículos e o combate à evasão.
A segunda política pública de educação e, quem sabe, a
de maior alcance em termos de inovação e abrangência em todo o território
nacional, entre todas as políticas públicas educacionais dos últimos tempos, é
a criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, que
abordaremos no último item deste
texto.
2 ESCOLA, TRABALHO E SOCIEDADE
Para escamotear o aprofundamento da crise do sistema
capitalista que se configurava na década
de 1950-1960 (e que foi ampliado com a crise do petróleo na década de 1970), os ideólogos do capitalismo propuseram a realização de
maciços investimentos tecnológicos no processo
produtivo que teve como consequência a instituição de um
sistema de produção flexível, visando
readequar constantemente os produtos às exigências cada vez mais específicas de
consumo.
Com o processo de internacionalização da economia, que mais
tarde seria chamado de “globalização econômica”, houve um grande impulso na
competição entre as grandes empresas, que naquela etapa seriam beneficiadas
pela abertura dos mercados e pelo consequente deslocamento de parte ou de todo
o processo produtivo das empresas para diferentes regiões do mundo, em especial
os processos menos “nobres” da produção por
serem degradantes do meio ambiente
ou das relações de trabalho nos seus países de
origem.
Assim, os capitalistas encontraram as condições
perfeitas para a continuidade do aumento da produtividade de suas empresas,
para a redução de custos da mão de
obra em especial, mas também pelo
acesso às matérias-primas abundantes e aos mercados de consumo dos países periféricos e, principalmente, para
a ampliação da produção e da circulação de
mercadorias em escala mundial. Essa
globalização levou ao desencadeamento de uma
acirrada competição entre as grandes empresas e ao aperfeiçoamento ainda maior das inovações tecnológicas
direcionadas à produção.
Contemporaneamente podemos falar, de modo geral, que
existe um consenso em nossa sociedade de que a educação se constitui em um dos
requisitos fundamentais para a formação dos trabalhadores. Existe, porém, diversas teorias sobre que tipo de
educação seja conveniente ministrar
aos trabalhadores, dependendo do perfil
ideológico de cada autor.
Para alguns, o foco central da questão social deixou de
ser o trabalho, alicerçados no argumento
de que a sociedade tornou-se mais complexa
e os indivíduos e grupos sociais querem estabelecer relações sociais não
centradas na atividade
produtiva. Por conta dessa concepção estrita de trabalho poderíamos mesmo reivindicar a perda da centralidade
do trabalho.
Para
Gorz (2007, p. 11-12) isso seria
algo até desejável, já que para ele,
é necessário que o 'trabalho' perca sua
centralidade na consciência, no
pensamento, na imaginação de todos;
é preciso aprender a ter sobre ele um olhar diferente; não mais pensá-lo como isso que se tem ou não se tem; mas como isso que nós fazemos.
É preciso ousar querer nos reapropriar
do
trabalho.
De Masi (2000) é outro bom exemplo de autor desta
perspectiva com o seu argumento do “ócio produtivo” dando outra conotação ao trabalho e ao dolce fare niente ou, ainda,
Claus Offe (1989, p. 137) ao afirmar que
“quanto mais tempo as pessoas passam
fora do emprego, mais percebem que o
trabalho não é mais um foco suficiente para organizar a
vida” com o fim da centralidade do trabalho.
Para nós, o trabalho sempre terá uma centralidade na vida
do homem, pois é com ele que o homem se reproduz e garante a
sua própria existência, apesar das relações de trabalho, dos tempos do trabalho
e do seu próprio significado sofrerem necessárias adaptações no decorrer do tempo.
Independentemente do significado e do lugar que possa vir a ter o trabalho na sociedade do futuro, todos os teóricos
são unânimes em atribuir centralidade à formação para o trabalho, já que será com ela que o homem ampliará a produtividade e poderá conquistar
um tempo maior para o alvissareiro ócio necessário. Nesse contexto,
ampliaram-se as discussões em torno dos conceitos de qualificação e de competências.
Para alguns autores, a qualificação é vista como uma forma de preparação de mão de obra direcionada para o mercado de trabalho, e que envolveria a
educação profissional escolar e a experiência adquirida. Essa visão é
questionada por educadores críticos do sistema capitalista porque centra a
educação do trabalhador nas funções e tarefas que ele exerce, limitando sua capacidade
intelectual de agente do processo produtivo. Ou dito de outro modo: para além
de aprender a produzir bens e serviços e reproduzir a sociedade em que vivemos,
temos que aprender a fazer poesia, a
conhecer o mundo, a nos divertirmos e nos locupletarmos com a vida feliz a ser vivida.
No Brasil, a
década de 1990 foi marcada pelo discurso da qualificação do trabalhador como uma alternativa para solucionar
problemas engendrados pelo desemprego e o subemprego, bem ao gosto das teorias
neoliberais hegemônicas da época. A tônica que norteou o debate e a reflexão
sobre o ensino técnico consistiu no objetivo de formar profissionais de
acordo com as expectativas das empresas e com reais condições de empregabilidade.
Esse discurso da necessidade da formação de um sujeito
com qualificação ou competências para sua inserção no processo social inovador e globalizado esbarrou na ineficiência
dos programas educacionais cujas diretrizes estavam distantes das novas necessidades do mundo do trabalho, ou seja, da
formação de um trabalhador com competências para “ser-fazer-conhecer-conviver e aprender”.
Neste contexto, foi editado em 1997 o
Decreto nº 2.208, que estabelecia as
bases de uma malsucedida reforma da educação profissional em nosso país. Para tanto, o governo federal (FHC) negociou um empréstimo junto ao Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) com
o objetivo de financiar a mencionada reforma como parte integrante do projeto
de privatização do Estado
brasileiro em atendimento à política neoliberal,
determinada desde os países hegemônicos de capitalismo avançado e das
grandes corporações transnacionais. Esse financiamento é materializado por meio do malfadado Programa de Expansão da Educação Profissional – PROEP.
Apesar da crítica radical que merece essa fúria
privatizante que transferia grande parte do patrimônio público nacional à
iniciativa privada a baixos custos, é necessário reconhecer que aquela reforma
da Educação Profissional (EP) e o Programa de Expansão da Educação Profissional
(PROEP) foram extremamente coerentes com a
lógica neoliberal que os patrocinou, de forma que, ao serem analisados a partir dessa perspectiva, aparecem como muito “eficientes”.
Existem vários aspectos que demonstram essa
“eficiência”. Aqui serão destacados apenas dois deles. O primeiro está
relacionado com a lógica da relação entre o PROEP e a Rede Federal de Educação
Profissional e Tecnológica. Assim, a função do
PROEP era reestruturar a rede federal desde o ponto de vista de suas
ofertas educacionais, da gestão e das relações empresariais e comunitárias na perspectiva de torná-la competitiva no mercado educacional e, dessa forma,
caminhar na direção do aumento da
capacidade de autofinanciamento. De modo que o Estado gradativamente se
eximiria do seu financiamento.
Dessa forma, mediante projeto, as instituições federais
de educação tecnológica (em especial
os antigos Centros Federais de Educação Tecnológica - CEFETs) e instituições comunitárias
criadas para aquele fim (instituições estas que posteriormente tiveram que ser
federalizadas para minimizar o escandaloso prejuízo ao erário público)
receberam aporte de recursos, via PROEP,
com o objetivo de reestruturarem-se a fim de assumir a nova função, ou seja, a de buscar
arrecadação a partir da
prestação de serviços à comunidade na perspectiva
de aumentar suas possibilidades de autofinanciamento.
Paralelamente ao aporte de recursos do PROEP, o orçamento daquelas
instituições federais de educação foi sendo reduzido, uma vez que aquele
programa tinha duração determinada, com
previsão inicial de cinco anos. Dessa forma, era necessário, segundo a lógica da
reforma, que ao final do programa essas instituições estivessem preparadas para
buscar parte de seus orçamentos por meio da
venda de cursos à sociedade e de outras formas de prestação de serviços.
Cabe destacar que os critérios de elegibilidade dos
projetos institucionais eram extremamente coerentes com a reforma da Educação
Profissional e Tecnológica (EPT). Assim, o projeto que apresentasse alguma
proposta relacionada com o ensino médio era
sumariamente descartado, o que era compatível com
a separação do ensino médio da
educação profissional e, mais ainda, com o afastamento definitivo das instituições federais dessa última etapa da
educação básica.
Nessa mesma direção, a Portaria nº 646/1997 determinou que a partir
de 1998 a oferta de vagas de cada CEFET, no ensino médio, corresponderia a, no máximo, 50% das vagas oferecidas
nos cursos técnicos de nível médio no ano de
1997, os quais conjugavam ensino médio e educação profissional. Desse modo, na prática, aquela simples Portaria
determinava a redução da oferta de ensino médio no
País – algo flagrantemente inconstitucional, mas que teve plena
vigência até 01/10/2003, quando foi publicada no
Diário Oficial da União a sua revogação por meio da Portaria nº 2.736/2003.

Para que não paire
dúvidas das intenções liberalizantes daquela malfadada iniciativa de política
pública educacional, basta recordar que os objetivos primordiais nominados
daquele programa eram: a ampliação e diversificação da oferta de cursos, nos
níveis básico, técnico e tecnológico; a separação formal entre o ensino médio e a Educação Profissional; o
desenvolvimento de estudos de mercado para
a construção de currículos sintonizados com o
mundo do trabalho e com os avanços
tecnológicos; o ordenamento de currículos sob forma de módulos; o
acompanhamento do desempenho dos(as)
formandos(as) no mercado de trabalho, como fonte contínua de renovação curricular; o reconhecimento e
a certificação de competências adquiridas dentro e fora do ambiente escolar, e
a criação de um modelo de gestão
institucional inteiramente aberto.
Com a chegada ao governo de um representante dos setores
populares e democráticos e não comprometidos
com as teses liberalizantes, aquela
tentativa de afastamento da responsabilidade do Estado com a educação para o
trabalho e o ensino técnico, foi
sustada com a publicação da Portaria nº 2.736/2003
e do Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004, revogando aquele engodo
(Decreto nº 2.208, de 17 de abril de
1997) e inaugurando um novo capítulo
nesta modalidade de ensino no nosso
país. Tal processo iria desaguar na Lei nº
11.892, de 29 de dezembro de 2008 que instituiu a Rede Federal de
Educação Profissional, Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais
de Educação.
Analisado as idas e vindas das políticas públicas
educacionais para o trabalho nos últimos quinze anos, podemos constatar hoje um
debate que gira em torno da noção de competências exigidas ao
trabalhador pelos diferentes setores da economia. As discussões estão
relacionadas à capacidade de pensar e decidir, de ter iniciativa e
responsabilidade, de fabricar e consertar e de administrar a produção e sua
qualidade. As teorias concernentes à
formação do profissional giram em torno da questão de que é preciso criar um
campo teórico e prático de ação educativa visando proporcionar aos cidadãos uma
educação que supere a tradicional dicotomia entre o trabalho intelectual e o
manual em que, de um lado teríamos o intelectual exercendo uma atividade mais
“nobre” e, de outro, o trabalhador a implementar a atividade prática, menos
“nobre”. Nesse sentido,
as discussões centraram-se nas propostas
educativas que visassem a formação básica, de caráter universal, e
a educação dirigida para instrumentalizar o trabalhador com saberes que lhes
possibilitem condições mínimas para sua inserção e/ou reinserção no mundo
social do trabalho e em condições de pensar o seu próprio trabalho, ou seja, de teorizar o seu fazer.
Conhecemos já algumas
propostas educativas alternativas neste sentido que foram apresentadas para a
transformação da ação pedagógica visando
enfrentar os desafios originários das mudanças no mundo da produção e do trabalho
e de suas consequências sobre a estrutura social. Essas propostas contemplam
ideias desenvolvidas no Brasil
primeiramente pelo educador Paulo Freire, que trabalhava a perspectiva de que
professores e estudantes se engajassem numa dimensão crítica e criativa no processo
da construção do conhecimento, no qual todos ensinam e todos aprendem,
num processo em que educador e educando se transformam visando a transformação
social na direção de uma sociedade
igualitária. Nessa concepção, há uma
profunda ligação entre o processo educativo
e os demais processos da vida de uma sociedade onde o processo educativo não se encerra na sala de aula, na escola,
mas vai além e abarca todos os
espaços da vida social.
Historicamente, o ser humano utiliza-se dos bens da natureza por intermédio do trabalho e, assim, produz os meios de sobrevivência e
conhecimento. Posto a serviço de outrem, no
entanto, nas formas sociais
de dominação, o trabalho ganha um sentido ambivalente. É o caso das sociedades
antigas e suas formas servis e escravistas, e das sociedades modernas e
contemporâneas capitalistas. As palavras
trabalho, labor (inglês), travail (francês),
arbeit (alemão), ponos
(grego) têm a mesma raiz de fadiga, pena,
sofrimento, pobreza que ganham materialidade nas
fábricas-conventos, nas fábricas-prisões
– fábricas sem salário. A transformação moderna do significado da palavra deu-lhe
o sentido de positividade, como argumenta
John Locke, que descobre o trabalho como fonte de propriedade; Adam Smith, que
o defende como fonte de toda a riqueza; e Karl Marx, para quem o trabalho é
fonte de toda a produtividade e expressão da humanidade do ser humano (DE DECCA, 1985).
Assim,
ao longo da história o conceito de
trabalho assumiu diferentes significados. Enquanto nas sociedades escravocratas o trabalho era desprezado, porque
representava sacrifício, tortura e vergonha, na
sociedade pós-revolução industrial, na
sociedade capitalista propriamente dita, o trabalho
passa a ser exaltado e a representar a única
fonte de produção de riquezas. É

assim que o provérbio “o trabalho enobrece o homem” (atribuído
ao pensador alemão Max Weber) passa a
fazer parte dos ditos populares; é
deste modo que este ditado tão enaltecido, esta frase de efeito repetida
orgulhosamente, ressalta a capacidade que tem
o trabalho de engrandecer o indivíduo
em muitos de seus mais pronunciados valores. Então, além de prover as condições materiais de
subsistência e de reprodução, o trabalho contemplaria
também a dignidade do trabalhador e se converteria numa verdadeira e orgulhosa
dádiva por ele desfrutada, uma
dádiva que transforma a natureza e gera riquezas – ainda que estas riquezas
sejam geralmente desfrutadas por outrem!
Em geral a atividade laboral significa uma atividade que
liberta o homem da servidão. No início do
século vinte, foi pensada de forma
científica, na qual procuravam
estabelecer um controle total sobre todas as atividades a ele relacionadas. Nos
Estados totalitários, o trabalho era idolatrado como uma atividade crucial na
difusão do nacionalismo exacerbado.
Para termos uma dimensão mais trágica, basta pensarmos nos
“Karoshi” japoneses, trabalhadores morrem por excesso de trabalho. De fato, em
japonês, KARO significa excesso de trabalho e SHI, morte. Menos mal que temos no Brasil, ao menos na literatura
nacional, um Macunaíma, o herói sem
nenhum caráter que tão bem emblema a preguiça do personagem indígena de Oswald
de Andrade!
O trabalho se constitui no ato de agir do
homem sobre a natureza, transformando-a de acordo com as suas necessidades. Na
relação que os homens estabelecem com a
natureza reside o fundamento do trabalho,
pois este é visto como uma das
atividades determinantes das relações sociais.
Na Grécia antiga, o trabalho não era visto como uma atividade digna de homens livres. Nessa sociedade, o ato de pensar e refletir eram atividades que
dignificavam os homens livres, ou seja, os que se encontravam no estado de “ócio”. Os gregos
estabeleceram a dicotomia entre o “ócio” e o “trabalho”. Havia os que nasceram
para pensar e decidir e os que
nasceram para sustentar os cidadãos livres.
Tanto gregos como romanos
tinham pouco apreço pelo trabalho,
que consideravam uma atividade destinada aos escravos para libertar o cidadão das amarras impostas por essa
atividade desprezível, mas necessária
na garantia da produção de riquezas da classe privilegiada de cidadãos livres
que se atribuíam as funções mais nobres de governar e fazer a guerra, por exemplo.
Se considerarmos as últimas décadas, podemos observar
uma reestruturação produtiva que está tendo um forte impacto dentro e fora do ambiente de trabalho.
Além de aprofundar o grau de exploração e de dominação da força laboral no interior do processo produtivo, essa
reestruturação vem produzindo grandes transformações na sociedade contemporânea, afetando as condições sociais e
políticas dos trabalhadores em especial. A reorganização desse espaço, com a
substituição do maquinário mecanizado
por sistemas automatizados de produção, o enxugamento dos estoques e o
deslocamento de unidades de produção para outras regiões/países, vem provocando
alterações significativas nas relações
sociais no seio da sociedade. Nas
empresas modernas, as inovações tecnológicas e o novo modo de gerenciamento da produção e dos estoques transformaram seus processos de
produção e sua estrutura organizacional. Isso levou ao
desaparecimento/surgimento de funções, tanto nas
unidades de produção quanto nas áreas
de gerenciamento.
A reorganização dos processos vem exigindo que os
trabalhadores assumam um leque de
competências, antes exercidas por trabalhadores não qualificados e por antigas chefias. Esse acúmulo de tarefas/funções garante, ao
proprietário dos meios de produção,
o aumento da produtividade do trabalho que, por outro lado, gera o fenômeno social do desemprego.
As atuais formas de exploração do trabalho vieram
acompanhadas de grandes contradições. Enquanto as grandes empresas capitalistas
exigem função qualificada e cada vez mais
especializada, durante esse mesmo processo
o sistema capitalista produz o
trabalho informal, o subemprego e algumas relações de trabalho
que podem ser comparadas ao do trabalho
escravo, para isto basta observar, por exemplo,
o trabalho nas modernas indústrias de vestuário em que as costureiras serão remuneradas
segundo o tempo (mensurado pelos relógios acoplados às suas máquinas) em que os
seus equipamentos estiverem produzindo.
Quando pensarmos em educação para o trabalho, ou seja, quando pensarmos o nosso fazer, as
nossas propostas, a fim serem alternativas, devem abarcar não apenas o universo laboral criado no interior das grandes empresas, mas pensar também nas multidões de
trabalhadores que permanecem nas redes periféricas do sistema produtivo
dominante e que foram por ele produzidas
e mantidas dentro da esfera de criação baseada
nos moldes dos padrões dominantes
até aqui. Como princípio educativo, o trabalho tem em Marx o teórico a defender a
abolição da sujeição do homem a uma única atividade. Posteriormente Gramsci
retoma a elaboração marxiana com a
defesa da escola unitária. Em Marx, o
trabalho não era uma categoria meramente econômica, mas uma atividade na qual o homem desenvolve a si mesmo, pois é por meio do trabalho – o produtivo e não alienado – que se da a plena
identificação do homem com a natureza.
As ideias de Marx e de Gramsci sobre o papel da educação
e do trabalho na formação da classe
trabalhadora proporcionaram contribuições significativas para a elaboração de
propostas políticas educacionais, visando a formação do indivíduo no contexto das mudanças originárias da
adoção de novas tecnologias no processo produtivo e do processo de
globalização e das políticas neoliberais.
Em dois momentos recentes na história nacional podemos observar o embate de ideias e
projetos políticos em termos de educação e de trabalho que foram os períodos de
elaboração da Carta Magna, em 1988,
e da LDB, em 1996. De um lado se posicionaram teóricos da educação como Paulo Freire, Demerval Saviani,
Moacir Gadotti entre outros que pensavam (como Gramsci) em uma escola única de
cultura geral, formativa, que equilibrasse o desenvolvimento tanto da
capacidade intelectual como da manual. Essa
escola única forneceria orientações profissionais e prepararia os indivíduos fosse para o ingresso em escolas especializadas ou para o trabalho produtivo.
Essas propostas apresentadas contrapunham-se ao projeto
dos setores conservadores que mantinha a tradicional separação entre a educação
propedêutica e a educação técnica, centrada na
qualificação do trabalhador visando atender demandas do mercado de trabalho. No entanto, como sabemos, o bloco conservador da
Assembleia Nacional Constituinte conseguiu impedir
a aprovação de diretrizes e de políticas educacionais que contemplassem
o ideário da escola unitária.
Este ideário de uma escola unitária é condizente com
outro entendimento do processo de
formação dos sujeitos, muito caro
aos teóricos progressistas que é a educação permanente. O ideal da educação permanente foi amplamente
debatido no Brasil antes do golpe militar, em 1964. O educador Paulo Freire foi um dos grandes seguidores da educação
permanente, mas com um viés associado
à emancipação e à promoção
humana do trabalhador. Sua visão da educação permanente de adultos continha os propósitos políticos ideológicos de
conscientizar e mobilizar grupos sociais excluídos, ou seja, seu trabalho traduzia-se na
concepção de educação enquanto prática libertadora do trabalhador.
No período da ditadura militar, as políticas de educação
permanente ficaram praticamente
restritas às ações governamentais do programa de educação de adultos conhecido como Mobral. Esse programa teve poucos
resultados concretos, pois os seus
princípios estavam desvinculados da realidade
social dos jovens
e adultos que se pretendia
educar.
Na perspectiva de uma educação permanente, de que os
indivíduos devem se educar ao longo da vida está implícita a necessidade de se
buscar alternativas visando enfrentar desafios do mundo do trabalho originários
da atual sociedade do conhecimento e da informação. Entretanto, essa concepção
de educação está direcionada predominantemente para a competição difundida na órbita das relações sociais capitalistas.
Numa abordagem mais pragmática, há autores que defendem que a
educação permanente dos profissionais deve constituir parte do pensar e
fazer dos trabalhadores, visando proporcionar-lhes o crescimento pessoal e
profissional, com vistas a sua
inserção no mundo do trabalho. No entanto, Moacir Gadotti (1987) chama a atenção para a falsa promessa que se cria entre os
trabalhadores de que a educação permanente, ao proporcionar o aumento de formação profissional, irá garantir condições de acessibilidade e
de manutenção do trabalho. Suas preocupações fundamentam-se na ideia de que o trabalhador tenha ilusão de
que a educação seja “a alavanca da
transformação social”.
Outros teóricos como
o educador Pedro Demo (1994)
propõem que a formação do trabalhador seja permanente
e baseada no lema da Escola Nova do
“aprender a aprender” e “saber pensar”. Demo (1994) vê aspectos positivos na educação
permanente que é abordada sob o prisma
da qualidade total. Não ressalta o compromisso com a qualificação humana, por
centrar-se no conhecimento e na educação, ela poderá levar à construção e à participação na sociedade,
desde que se fundamente no compromisso,
sobretudo com a qualificação humana, não só
no plano material, mas, principalmente, nos planos moral e no ético.
Um dos objetivos da educação permanente é possibilitar
ao trabalhador que possa construir
sua trajetória profissional
ao longo de sua
vida. Nessa perspectiva,
as instituições escolares e as demais instituições
públicas ou privadas devem estar preparadas para oferecer educação continuada
aos trabalhadores, que acompanhe as mudanças aceleradas das inovações
tecnológicas no sistema produtivo.
Assim é necessário que os cursos possam dar uma educação integral no início da formação do cidadão, e uma formação profissional em diferentes
áreas de atuação, seja na escola
formal ou na empresa ou em outras instituições, e aumentando os
espaços educativos, de modo que o trabalhador possa iniciar ou retornar aos
cursos de acordo com as suas necessidades e as do mundo do trabalho em transformação.
A necessidade de contornar as crises do sistema
capitalista, que marcaram a década de 1960 e que culminaram na crise do petróleo, em 1973, resultaram na revolução tecnológica. Essa revolução
impulsionou mudanças significativas no antigo
padrão fordista/taylorista de produção e de gestão. Uma das mais significativas transformações impulsionadas por esse
processo foi a reestruturação do espaço
geográfico da produção. A necessidade de ampliação da acumulação de capital
levou as grandes empresas a buscarem regiões onde o capital encontrasse
condições de se multiplicar.
Para reverter o quadro de crise, as elites econômicas e
políticas elaboraram estratégias competitivas visando a redução dos custos de
produção, do aumento da
produtividade e da qualidade do produto. Tornava-se, portanto, imprescindível,
para os capitalistas, encontrar regiões
do mundo onde pudessem expandir o
capital. Nesse sentido, era preciso que esses locais oferecessem atrativos
tributários, pouca pressão sindical, trabalhadores disciplinados, com um mínimo de qualificação profissional e,
sobretudo, com salários baixos. É neste cenário que países como a China, a Coréia e a Índia se tornaram verdadeiros seleiros de
empresas de todo o mundo.
Esse processo de deslocamento da produção para outros
mercados tem estreitas relações com o avanço tecnológico nas áreas de telecomunicações, de informatização e de
transportes. A necessidade da ampliação do capital criou as bases para a
mundialização dos mercados e, portanto, para o que se convencionou chamar de
globalização econômica que, na verdade,
não se limitou a essa esfera, mas teve desdobramentos profundos em toda a
sociedade: no mundo do trabalho, na organização política dos Estados Nacionais e nas relações sociais e culturais.
A globalização, que tem sido utilizada hoje para
caracterizar o processo de
intensificação das relações econômicas entre as nações do mundo, não é um fenômeno recente. A história tem nos mostrado
que diferentes povos, em diferentes períodos, procuraram intensificar suas
relações comerciais, sobretudo por meio da
dominação política e cultural.
O processo de globalização emergiu alicerçado no discurso liberal sustentado na tese de que o Estado de Bem-Estar
Social e o Estado Intervencionista eram incapazes de solucionar os problemas
decorrentes da crise do capitalismo. Nesse sentido, os capitalistas, liderados
por grandes organizações econômicas, exerceram pressões
políticas que culminaram com a adoção de medidas do receituário liberal que
apregoavam a necessidade do Estado de distanciar-se do domínio econômico por meio das
políticas de privatizações, do enxugamento da máquina
administrativa e da abertura da economia,
com a eliminação ou redução de taxas sobre produtos importados.
A noção de globalização está também associada ao declínio do Estado Nacional. Aquela convicção de que alguns países tinham a
hegemonia, ou seja, o domínio sobre outros, começa a ceder lugar a uma ideia de descentralização do poder; fenômeno
associado à emergência dos blocos econômicos e das poderosas organizações
internacionais. Quem efetivamente se organiza
e detêm o poder no atual
estágio do desenvolvimento do capitalismo
global são as grandes empresas transnacionais e multinacionais que ditam e
impõem as normas na economia mundial. Dessa forma, os Estados Nacionais
tornaram-se vulneráveis, uma vez que seu poder de execução das políticas públicas ficou subordinado aos interesses do capital internacional.
A reestruturação produtiva
da sociedade global e as políticas neoliberais provocaram um grande
impacto sobre o mundo do trabalho. A
adoção desses princípios no Brasil, na década de 1990, criou um cenário
catastrófico para a classe trabalhadora. O grande debate que se instaurou no seio das organizações sindicais, nos
partidos políticos, nos movimentos sociais e entre os intelectuais estava
pautado nas consequências sociais da
tragédia anunciada como o “fim da era do emprego”.
O novo modelo “flexível”
de produção aliado às políticas
neoliberais trouxeram em seu bojo o caráter altamente excludente da
reestruturação do sistema
capitalista. O grande questionamento dos setores sociais organizados e dos
estudiosos da questão situava-se na esfera
do Estado e da escola. A escola não é um local distante da realidade
social. Ela está inserida no próprio contexto
de contradições que se
aprofundaram com as
transformações originárias das mudanças advindas da reestruturação do sistema capitalista e do modelo
político imposto pelos detentores do
grande capital.
Há consenso em relação à importância do papel da escola na revalorização do cidadão trabalhador,
porém as visões sobre as propostas educacionais são evidentemente antagônicas.
O capital tem interesse em que a
escola se adapte à realidade da produção flexível,
visando formar indivíduos em condições de serem absorvidos pelas
empresas. Não existe aqui por parte da maioria dos capitalistas a preocupação
em proporcionar as condições efetivas de oferecer uma educação de qualidade, uma educação profissional e ao mesmo tempo intelectual objetivando a
emancipação do cidadão e sua ação transformadora.
Contemporaneamente, cientistas sociais e educadores de
diferentes correntes do pensamento do campo progressista consideram que a
escola deve estar instrumentalizada de modo a responder às demandas da nova realidade social agora “globalizada”.
Assim, o papel da escola deve ser mais amplo na
formação do cidadão que detenha conhecimentos técnicos interligados com
conhecimentos gerais, culturais humanísticos e que possibilitem também ao
cidadão trabalhador usufruir, não apenas
da riqueza produzida pelo trabalho, mas que
este possa produzir-se e transformar a realidade em que vive, forjando o seu
bem estar e o bem estar de todos.
3
REFLEXÕES SOBRE A POLÍTICA
PÚBLICA DE INSTITUIÇÃO DA REDE FEDERAL DE EDUCAÇÃO PROFISSIONAL, CIENTÍFICA E TECNOLÓGICA
A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia da visibilidade a uma convergência
de fatores que traduzem a compreensão quanto ao
papel da educação profissional e tecnológica no contexto social do
Brasil e pode ser reconhecida como ação concreta das atuais políticas para a educação
brasileira, com recorte especial para aquelas voltadas à educação profissional
e tecnológica e à rede federal.
Com os Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia cria-se um novo conceito
de educação profissional e tecnológica sem similar na história do nosso país em termos educacionais. Com quase meia centena de institutos e mais de trezentos campi
espalhados por todo o território nacional, além de
várias unidades avançadas, atuando no
Ensino Médio Profissional (50% das vagas), licenciaturas (20% das vagas)
e cursos superiores de tecnologia ou bacharelados tecnológicos (30% das vagas),
pode ainda disponibilizar especializações, mestrados e doutorados profissionais.
Os institutos fundamentam-se na verticalização do ensino,
em que os docentes devem atuar nos diferentes níveis do ensino com os discentes compartilhando os espaços
pedagógicos, incluindo os laboratórios e procurando estabelecer itinerários
formativos do curso técnico ao doutorado. Com uma estrutura multicampi e uma
territorialidade definida, os Institutos Federais assumem um compromisso de
intervenção em suas respectivas regiões, identificando problemas e criando soluções
tecnológicas para o desenvolvimento sustentável, com inclusão
social.
Os Institutos Federais foram formatados para se
constituírem em espaços fundamentais na construção
dos caminhos com vista ao desenvolvimento local e regional. Para tanto, devem ir além da compreensão da educação
profissional e tecnológica como mera instrumentalizadora
de mão de obra para o trabalho
determinado por um mercado, mas sim
devem agregar à formação acadêmica a preparação para o trabalho (sem deixar de
firmar o seu sentido ontológico) e discutir os princípios e tecnologias a ele
concernentes que darão os elementos essenciais para a definição de um propósito
específico para a estrutura
curricular da educação profissional e
tecnológica: uma formação profissional e tecnológica
contextualizada, repletos de conhecimentos, princípios e valores que
potencializam a ação humana na busca de
caminhos mais dignos de vida.
Os
Institutos Federais foram criados para
(...) derrubar as barreiras entre o ensino
técnico e o científico, articulando trabalho, ciência e a cultura na perspectiva da emancipação. Sua orientação pedagógica deve recusar o
conhecimento exclusivamente enciclopédico, assentando-se no pensamento
analítico e na formação profissional
mais abrangente e flexível voltada para o mundo do trabalho e menos
para a formação de ofícios, em um profissionalizar-se mais amplo que abra infinitas possibilidades de reinventar-se no
mundo e para o mundo, princípios estes válidos para as engenharias e
licenciaturas. O desafio é o de construir uma
instituição inovadora ousada com um futuro em aberto e capaz de ser um
centro irradiador de boas práticas, articulando-se com as redes públicas de
educação básica (PACHECO, s/d, p. 2).
O foco dos Institutos Federais é a promoção da justiça
social, da equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como à busca de soluções técnicas e à geração de novas tecnologias. Estas instituições devem responder, de forma
ágil e eficaz, às demandas crescentes por formação profissional, por difusão de conhecimentos científicos e de
suporte aos arranjos produtivos locais.
De acordo com o estabelecido oficialmente nos termos da
Lei 11.892, de 29 de dezembro de 2008,
que institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica,
criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, foi definido
que os Institutos Federais são instituições, pluricurriculares e multicampi, de
educação superior, básica e
profissional. São especializados na oferta de educação profissional e
tecnológica nas diferentes
modalidades de ensino, ancorando-se na conjugação de conhecimentos técnicos e
tecnológicos com as práticas pedagógicas.
Esse processo, uma vez criada a Rede Federal de Educação
Profissional, Científica e Tecnológica, constituiu-se em elemento de
redefinição do sistema de ensino brasileiro, o que fica evidente nos artigos 6º, 7º e 8º da lei supracitada. O referido instrumento legal reforçou, por outro lado, a autonomia
administrativa, patrimonial, financeira, didático-pedagógica e disciplinar
dessas instituições educativas, além de garantir a equivalência às
universidades federais, no que se
refere às disposições que regem a regulação, a avaliação e a supervisão das
instituições e dos cursos de educação superior, eventualmente ofertados pelos institutos.
A expansão da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica está pautada na interiorização
da educação profissional, com o
compromisso de contribuir de modo imperativo para o desenvolvimento
socioeconômico, científico-cultural e educacional do país. Nessa perspectiva, a
criação dos Institutos Federais responde à necessidade da institucionalização
definitiva da educação profissional e tecnológica como política pública permanente de Estado, oferecendo educação
profissional e tecnológica pública, laica, gratuita
e de excelência nos diversos cursos, tanto na
modalidade presencial quanto na modalidade
a distância, e tendo, como foco
desafiador, a atuação no ensino, na pesquisa e na extensão, numa perspectiva
indissociável. Assim, os institutos passam a se configurar como uma “[...] rede de saberes que entrelaça
cultura, trabalho, ciência e
tecnologia em favor da sociedade” (BRASIL, 2008, p. 23).
A criação dos Institutos Federais de Educação, Ciência e
Tecnologia representam a operacionalidade, através de uma política de Estado, daquilo que há mais de oitenta anos, já propugnavam
os teóricos da educação na vanguarda da
época - como foram Anísio Teixeira, Fernando de Azevedo e Cecília Meireles
entre outros - com o Manifesto dos Pioneiros da Educação Nova de 1932. Naquele manifesto já se explicitava a necessidade de “um
programa de política educacional cujo vetor
era a instituição de um sistema completo de educação pública destinado a
abarcar todas as crianças e os jovens integrantes da população brasileira”
(SAVIANI, 2001, p. 19).
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se os discursos da importância do desenvolvimento da educação
sempre estiveram presentes nos programas governamentais mais como retórica do
que como prioridade para as execuções das políticas públicas dos vários
governos que se sucederam no nosso
país até o início deste século, hoje
podemos dizer que vivemos uma realidade em que as políticas de valorização da
educação nas políticas públicas são
uma realidade que, mesmo tardiamente,
vem resgatar o lugar prioritário nas políticas públicas educacionais,
desmentindo os discursos que já em
1942 acalentavam os debates políticos mencionados por Saviani em que, com
razão, diziam que “sobre assunto algum se falou tanto no Brasil, e em nenhum outro, tão pouco se realizou. Não há, assim, como fugir à impressão penosa de nos estarmos a repetir”
(SAVIANI, 2009, p. 21).
Assim, programas de Estado como são o PROUNI, o REUNI, o FIES e a criação da Rede Federal de Educação Profissional,
Científica e Tecnológica, criando os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, entre outros
programas, finalmente, resgatam um pouco do
passivo histórico da dívida do Estado brasileiro para com os seus
cidadãos no que se refere à pauta
de uma educação inclusiva para todos, em especial, para os
trabalhadores e seus filhos, que até
aqui só foram chamados para a penosa tarefa de produzir e reproduzir o modo de
existência das elites e apenas para as elites.
Mesmo que com séculos de atraso é
chegada a hora de pormos em prática um sistema educacional em que a educação
tenha sentido para a vida de todos, em especial àqueles que, no sentido produtivo, fazem o nosso país, ou seja,
os trabalhadores e seus filhos.
5 REFERENCIAS BIBLIOGRÁFICAS
ADORNO,
T. W. Educação e emancipação. Rio de
Janeiro: Paz e Terra, 1995.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
1988, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm
BRASIL.
Decreto 2.208 de 17 de abril de 1997. Regulamenta o § 2 º do art. 36 e os arts. 39 a 42 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que
estabelece as diretrizes e bases da educação nacional (Revogado). 1997,
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto/D2208.htm
BRASIL.
Portaria nº 646 de 14 de maio de 1997. Regulamenta a implantação do disposto nos artigos 39 a 42 da Lei
Federal nº 9.394/96 e no Decreto Federal nº 2.208/97 e dá outras providências (trata da rede federal de
educação tecnológica). MEC, 1997, disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/PMEC646_97.pdf
BRASIL. Lei. N. 9394 de
20 de dezembro de 1996. Estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional. 1996, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
BRASIL.
Decreto nº 5.154 de 23 de julho de 2004. Regulamenta o § 2º do art. 36 e os arts. 39 a 41 da Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional, e dá outras providências. 2004,
disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2004/decreto/d5154.htm
BRASIL.
Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de
2008. Institui a Rede Federal de Educação Profissional, Científica e
Tecnológica, cria os Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, e dá outras providências. 2008, disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/lei/l11892.htm
CHAUI,
M. Convite à filosofia. São Paulo:
Ática, 1995.
DE DECCA, E. O nascimento das fábricas. 3ª. ed. São Paulo: Brasiliense, 1985. DEMO, P. Educação e qualidade.
Campinas: Papirus, 1994.
DE MASSI, Domenico. O Ócio criativo. São Paulo, Sextante, 2000. FREIRE, P. A pedagogia do oprimido. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1981.
GADOTTI,
M.; ROMÃO, J. E. A Escola Cidadã: a
hora da sociedade. In: GADOTTI, M.; ROMÃO, J. E. (ORGS.). Autonomia da escola: princípios e propostas. 6. ed. São Paulo: Cortez, 2004.
GADOTTI,
M. A Educação Contra a Educação. Rio de Janeiro: Paz e Terra 1987.
GORZ, A. Metamorfoses do trabalho. Crítica da
razão econômica. S. Paulo, 2ª ed. Annablume, 2007.
IANNI, O. A
Sociedade global. Rio de Janeiro: civilização brasileira, 1993. MARX, K. O capital. São
Paulo: Abril Cultura, 1983.
OFFE, C. Capitalismo desorganizado: transformações contemporâneas do trabalho e da política. São Paulo: editora brasiliense, 1989.
. Trabalho a categoria chave da sociedade? Revista Brasileira de Ciências Sociais.
Rio de Janeiro: Anpocs (10): 5-20 v.4, Jun. 1989.
PACHECO, E.
M. Os Institutos Federais: Uma Revolução na Educação Profissional e Tecnológica, Brasil, MEC, S/D, disponível em: http://portal.mec.gov.br/setec/arquivos/pdf/insti_evolucao.pdf
SAVIANI, D. Pedagogia
histórico-crítica: primeiras aproximações. 10 ed. Campinas: SP. Autores Associados, 2008
. Escola e democracia: teorias da educação,
curvatura da vara, onze teses sobre educação e política. São Paulo:
Cortez, 1986.
Link da publicação: http://www.revistagestaoacademica.com.br/index.php/teste


Doutor em Geografia pelo PGE-UEM - Programa de Pós-Graduação em Geografia, membro do GEUR - Grupo de Estudos Urbanos e do Observatório das Metrópoles - Núcleo R.M.M. Professor do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Paraná (IFPR Campus Avançado Astorga).